segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Menos é raro

Andei pensando em como é difícil conseguirmos menos. Se sou uma pessoa que come pouco, gasta pouco e bebe pouco, sou alguém que está constantemente lutando contra o desperdício. E estou aparentemente sozinha.
Quero um queijo menor, que não perca na geladeira: não acho. Quero comer um churrasco sem precisar me empanturrar; não tem. São 89,90 para ficar comento até explodir, ou nada. Acabo ficando sem nada, nem me arrisco a entrar em restaurantes assim.
Até as férias me desanimam. Nada me enerva mais do que o tão disseminado "all inclusive". Eu não quero aqueles drinks cafonas que chegam aos montes, nem ficar fazendo gincana com os monitores, que programam todos os minutos do seu dia. Só queria um bom quarto e uma bela vista, mas não! Tenho de pagar pelos cinco quilos de lagosta com litros de espumante, que eu tenho direito. E me dizem que posso ficar tranquila que tudo o que eu quiser está incluído, mas eu quero pouco, pequeno, bem menor. Isso tá em falta.
Nos edifícios residenciais essa moda pegou. No apartamento vem incluída a área de lazer, salão de beleza, academia, espaço de convivência para o cachorro, sala de leitura, espaço zen - uma infinidade de opções que você nem sabia que precisava para que você satisfaça todos os desejos que não tinha, num só lugar, sem precisar de sair de lá nunca mais.
Compre uma cerveja e ganhe copos! Compre a calça e ganhe a bolsa! Assine revistas e leve toalhas, relógios e mochilas! Faça as unhas e ganhe dez sessões de massagem! Gostou do sapato, leve dois! Quer fazer um cartão? O mínimo é mil.
Se pensar em pisar numa academia, tem de levar o pacote total de todas as modalidades, para fazer todos os dias da semana, em todos os horários do dia.
Mas já disse, não quero tudo, quero pouco. Sei o que quero para mim, sei do que gosto, o que preciso. O tamanho do que quero é bem menor do que me dizem as pessoas. Só quero o que quero e assim deveria ser com cada um, antes que o universo fique de saco cheio e nos cuspa daqui.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Manual do Bem Viver

Vinte formas pessoais apuradas com cuidado.

1) Tenha sempre flores frescas em casa.
2) Ouça suas músicas favoritas todos os dias.
3) Não tenha medo do ócio; cultive-o.
4) Escute o que dizem as crianças. E o que não dão conta de dizer.
5) Leia bons livros.
6) Pratique yoga, mesmo que seja muito difícil.
7) Viaje muito para descobrir que existem infinitos jeitos de se levar a vida.
8) Aprenda algo novo sobre si mesmo incessantemente.
9) Não acumule coisas, nem sentimentos.
10) Seja gentil com quem merece.
11) Dê sempre o melhor de si, mas não seja duro demais consigo mesmo.
12) Instigue sua curiosidade.
13) Observe as pessoas sendo.
14) Beba mais água.
15) Ame os animais.
16) Diga o que deve ser dito e cale o que precisa ser silenciado.
17) Algumas coisas não são para serem entendidas: sinta.
18) O único que restará é o amor.
19) Ultrapasse o medo.
20) Mude.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Amor no Corpo

Dois corpos viviam separados pelo espaço.
Seus mundos eram impenetráveis.
Essa distância era simplesmente incalculável,
o que colocava tudo em ritmo de pausa.
Os corpos já se procuravam mas não sabiam que
um corpo só pode encontrar a si próprio.
Era nesse espaço, em separado, que se tornava possível
que dois corpos se articulassem: de longe, sem se possuírem.

Agora os corpos não mais se buscam.
Começaram uma travessia infinita de encontros.
Nesse caminho vão entrar no universo um do outro.
Eles já estão em contato com a vida, nessa caminhada.
Descobrem que o mundo de cada corpo é inalcançável.
O amor está na partida e eles não sabiam.
O amor está no caminho e no que ele tem de resíduo,
naquilo que resta sem excluir a falta.

Os corpos se encontram no aberto, por isso não cabem em si próprios.
Não têm limites e são o próprio limite.
O amor existe e não se dá.
Amar é dar o que não se tem.
É transpor o intransponível.
O amor é imenso, desmedido.
É o infinito a percorrer.
O amor é do exato tamanho de dois corpos.
Por Carolina Godoi - texto livremente inspirado no seminário de Janaina de Paula sobre o livro "Corpus" de Jean-Luc Nancy

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Para onde foram os vaga-lumes?

Por Carolina Godoi



É tanta luz maior nessa cidade, que já não podemos ver aquele pisca-pisca surpreendente dos vaga-lumes. A "pequena luz" ou lucciola, como os italianos os chamam, não está aí tão disponível em nossas noites de verão.
Eles ainda existem esvoaçando em algum lugar?
Foi-se o tempo em que eu acompanhava meu irmão a caçá-los e capturá-los para si, na casa de minha infância. Ele gostava de possuí-los e usá-los como um giz luminoso para suas criações, que geralmente eram feitas em si mesmo. Espremia os pequenos pirilampos na curta camisa branca e saía a voar como um. Por alguns minutos capturava a luz, mas para isso os exterminava. Eu amava vê-los no céu escuro, mas ao mesmo tempo me fascinava com o que meu irmão fazia, espetáculo brilhante e perturbador. No minuto em que a luz deles se apagava, sofria pelos dois.
Ainda me pergunto se gostava mais da surpresa de vê-los ou da sensação da procura interminável que empreendia no escuro da noite. Seus voos são incertos, a união de iguais em miniatura se configurava em desenhos de seres bizarros, mas nunca pensei neles com medo. É para se temer um fogo dentro de algum ser? Sabia que eram fugidios e de certa forma livres, pois em metade do tempo não podiam ser vistos e quando eram vistos, no momento seguinte se disfarçavam em outro lugar. Tinham asas, imagine, não bastava o privilégio dos raios luminosos.
Invejávamos os vaga-lumes porque eles se encontravam e se entrelaçavam numa dança desconhecida e inalcançável entre os arbustos de mil árvores da enorme casa de meus pais. Hoje sei que esses lampejos de machos e fêmeas são para chamarem uns aos outros para copular, mas não sabia que aquela luz tinha algum propósito. Ela simplesmente existia por existir e não ter a resposta era o que me envolvia por completo.
Nesses poucos minutos em que meu irmão retia a micro luz dos vaga-lumes em riscos ampliados, tínhamos em nossos corpos a infância total e sempre alegre, com nossos risos e gritos de alegria e de terror pelo extermínio de tais criaturinhas. Eles existiam aos montes, não era de se recriminar a morte; compensavam os olhos brilhantes do caçula.
Afirmo categoricamente: Apesar de não vê-los, ofuscados por tanta luz, eles ainda existem na distância. Estão pela noite, ainda inocentes como nossas lembranças do passado e uma busca de desejo de um futuro. É preciso não deixar de procurá-los.

Texto inspirado pelo seminário de João Rocha baseado no livro "Sobrevivência dos Vaga-lumes" de Georges Didi-Huberman

sexta-feira, 6 de abril de 2012

MICROPOEMA

PULGA PEGA
PEGA A PULGA
PELA PULGA
TEM PÊLO
A PULGA?
TEM É PENA.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Tecidual



Eu quero navegar pelas arestas da vida a estar pronta a qualquer momento.
Se é no mar que estou, não é possível saber para onde me leva.
Devo ter em mim a prontidão para um não-sei-o-quê.
A qualquer momento posso estar diante do que preciso.
Me afasto para saber por onde perfurar a vida.
E ir arrancando aos poucos seus pedaços carcomidos.
Guardo-os todos.
Depois os teço um a um, num trabalho de velha costureira que não tem tecido.
Minha vida é costura e nasci para remendá-la, mas não me deram o tecido.
Vou pelas bordas, navego sem pressa porque não quero ser vista.
É bom não agitar o mar nem acordar suas sereias.
Não sei se seria capaz de não ser seduzida pela luz das suas escamas.
Eu junto os retalhos que bordo porque o que me interessa é roubar da vida o que ela não pode me dar.
Por isso navego em suas arestas: para conseguir prosseguir.
Por um escandaloso milagre o barco segue, sem direção.
Mas das bordas eu não saio. Não saio não.


Por Carolina Godoi
Foto Fernando Lutterbach em João Pessoa - PE

quarta-feira, 28 de março de 2012

Mea Culpa

Já não me identifico com muitos dos universos de muitas mulheres. Sou feminina, adoro ser mulher, mas existe uma dança forjada no convívio entre as iguais que foi, aos poucos, me afastando.
Há uma cordialidade e simpatia exacerbadas no encontro, e o exato oposto no momento em que se afastam. A crítica geralmente é exposta sobre uma à outra, e na maioria das vezes motivada por ciúmes ou inveja, ou os dois juntos.
Existem aquelas que não permanecem por perto na sua alegria e sucesso. É mais fácil dar a mão no fracasso. Parece haver um prazer escondido e não admitido em fazer isso.
Prefiro a objetividade de alguns homens, prefiro suas conversas sobre cerveja e sexo à maledicências de alguma a vizinha que está ganhando alguns quilos a mais ou usando uma roupa demodeé.
Gosto mais da risada fácil de colegas que vivem contando piadinhas infantis, do que gargalhadas de uma turma que se une para deixar claro que certas "amigas" precisam obedecer a um padrão de beleza e comportamento para serem aceitas.
Me incomodam elogios com segundas intenções. Me exaspera a competitividade velada e muitas vezes cruel, mesmo entre àquelas que se dizem irmãs de alma. E me entristece a falta de abertura para dar e receber conselhos honestos, feitos simplesmente para que a vida continue seguindo em frente de forma melhor.
Prefiro a desorganização de certos homens, suas barbas malfeitas e seus jeans meio surrados à esse rigor feminino - que só vem aumentando atualmente - com elas próprias: tudo deve estar lindo e arrumado, dos cabelos ao corte das unhas dos pés.
Admiro a resiliência deles e o quanto abrem mão aos caprichos femininos sem que ninguém perceba. Os homens que entram na dança, no ritmo que elas escolheram, e passam a viver inseridos na feminilidade sem muito alarde ou revolta. Eles dão lá seu jeitinho de ter seu espaço masculino. É um ato de amor.
Prefiro conviver com homens porque são diferentes. Gosto de ver neles o que não consigo ser. Me fascinam. Perto do que somos, eles são de uma simplicidade tão atraente, que já não consigo dar atenção à rodinha de saias no canto da sala.
Não sou tão diferente delas e por isso já sei para onde aquela estrada vai, apesar de suas curvas sinuosas e surpreendentes.
Numa reta posso curtir mais outras paisagens.